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Maldito Manual Opressor! (Di-Mark)

13/03/2015 - Por vitor hugo medeiros dhers
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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mixing adderall and weed

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(Começo essa nota para responder uma série de impropérios que têm sido displicentemente propagandeada em torno do comportamento de diversos esalqueanos. Não encontro problemas na liberdade de expressão, e esse texto, na prática, vem somar-se a essa causa. No entanto, quando se apropriam dela para corrompê-la, é necessário que se intervenha.O famoso economista Joseph Schumpeter uma vez dissera " a primeira coisa que um homem fará por seus ideais é mentir". Dessa observação, um tanto óbvia, fora das lentes maniqueístas a que estamos constantemente subjugados pela cultura do politicamente correto, gostaria de tecer alguns comentários.Todos aqueles que se propõem a escrever sobre humanidades, invariavelmente caem no cientificamente indesejável viés. Isso se dá por conta do fato que o homem, muito embora deseje, não consegue manter o rigor científico da desaproximação observacional na ciência humana. Nesse caso, a pessoa não é apenas o fim da investigação, mas também seu meio. Não existe a possibilidade de um ser humano promover uma análise sobre a sociedade sem ter-se-lhe misturado antes. Essa constatação auto-evidente não tem por fim estabelecer que não necessariamente há engano quando se procura estudar a sociedade  -- apenas que não há qualquer possibilidade da abstenção de enviesamento inerente à sua feitura. Talvez seja essa a razão que explique o porquê de a matemática ou as ciências naturais progredirem visivelmente ao longo do tempo, enquanto para a ciência humana, apenas lhe sobra a criação de correntes ideológicas ou a mera reinvenção sobre escombros e migalhas de ideologias fracassadas.)


Não há problemas em ter um texto enviesado. No entanto, há situações onde ele deve ser reduzido e minimizado, em ordem de preservar a neutralidade descritiva. São essas as ocasiões onde se desenrola o habitat de textos informaivos, como é o caso dos jornais, hebdomadários, relatórios e afins.

Esse texto tem o objetivo de, além de fazer uma apologia à liberdade de expressão, responder a uma série de observações enviesadas a respeito da conduta de diversos alunos do meio esalqueano, e se possível, produzir alguns risos.

Hoje, o Estadão publicou a seguinte reportagem " Estudantes da Esalq vendem manual com ofensas a calouros" ( disponível em: http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,estudantes-da-esalq-vendem-manual-com-ofensas-a-calouros,1647577 )


Texto JP.jpg


Gostaria de levantar alguns pontos. O texto começa relatando que há a venda do manual dos calouros no kit bixo. Nele, segundo a matéria, constam "xingamentos aos calouros e apologia ao consumo de álcool".

O primeiro argumento já nos é servido de bandeja pelo próprio autor. O kit é vendido. Isto é, a sua compra resulta de uma transação voluntária. Não há qualquer tipo de imposição para a realização de sua compra. Como bem observa o ex-Senador americano Ron Paul, um agente decide adquirir um produto voluntariamente porque acredita que, após fazê-lo, estará em uma situação melhor do que a anterior -- não fosse isso verdade, o agente não o faria, tendo em vista o caráter voluntário intrínseco dessa transação. Diferentemente de algumas revistas ou jornais encapados, os calouros podem manusear os manuais e caso não desejem, ou sintam-se ofendidos, não o adquirem. Há, no entanto, que muitos calouros o fazem. Isso para alguns burocratas, jornalistas e "sociólogos", parece algo inconcebível. É a velha história do "não faça isso porque eu sei o que é melhor para você do que você mesmo". Essa postura, de acepção autoritária, tem se cristalizado no Brasil de maneira incrível -- com o agigantamento do estado sobre o indivíduo, um tipo de ideia do gênero não é mais enxergada como absurda, mas sim amplamente recomendada e executada por um corpo de técnicos iluminados que sabem a melhor maneira de dirigir a sociedade, queira ela ou não.


Outro ponto que produz um efeito meramente cômico é a "apologia ao consumo de álcool". Da forma que é posta, crê-se que esse tal consumo de álcool -- algo completamente inexistente na nossa sociedade! -- é o mais hediondo dos crimes. Não pode ter, porque a pessoa vai consumir álcool porque leu no manual! Ah!, essa conduta reprovável e criminosa que é inerente à sociedade há mais de milênios, produz satisfatórias interações sociais, gera renda, emprego e impostos! Naturalmente, não tenho interesse em fazer nenhuma apologia. Apenas denotar que as preocupações levantadas estão definitivamente longe da perniciosidade que lhes imputam. 

A seguir, a coisa fica mais feia. Segundo o autor, dentro do manual, há um convite para a participação de uma "maratona" de ingestão de bebidas alcoólicas semelhante àquela responsável pela morte do aluno Humberto Fonseca de Moura, de 23 anos, estudante da UNESP Bauru. O autor evidentemente desconhece qualquer uma das maratonas, mas seu sistema sensasionalítico ( órgão que se desenvolve, geralmente após a formatura, em pequenos jornalistas, fazendo-os alardear, com tamanha estupefação, notícias secundárias a fim de dar-lhes o destaque que sem dúvida não merecem), quase que por reflexo, o faz criar essa associação estapafúrdia. Para os desavisados, na maratona esalqueana não há a ingestão de bebidas destiladas, o competidor tem o direito de vomitar (mecanismo biológico que previne a ingestão excessiva de substâncias indesejadas), todo seu percurso é assessorado pelos demais alunos e não há restrição de tempo, o calouro executa a prova no ritmo de sua dupla (no caso unespiano, o competidor tinha que tomar um shot a cada minuto, inviabilizando o corpo de processar uma quantidade ilimitada de álcool em um curto ínterim). Qualquer ideia de competição de ingestão de bebidas pode parecer, a priori, bastante boba, mas tem duas coisas que valem ser ressaltadas -- competições de ingestão de comidas e bebidas são e sempre foram inerentes à nossa sociedade. Da mesma maneira que qualquer outra competição, há riscos para os participantes, muito embora por vezes eles pareçam não existir, mesmo quando há a ingestão de misturas inofensivas (é o caso da jovem que morreu por ingerir algo aparentemente inócuo, como erva-mate: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/05/jovem-morre-apos-competicao-que-premia-grupo-que-toma-mais-terere.html ). O segundo ponto diz respeito ao caráter absolutamente voluntário para a participação dessa atividade -- ninguém é obrigado a fazê-la. Em relação ao caso do rapaz que veio a falecer, cabe os pesares aos familiares. Mas, como em nossa sociedade, principalmente para os assuntos polêmicos, deve haver algum culpado -- na maioria das vezes, como propagandeado pela "inteligentsia" progressista, dificilmente o responsável é aquele que viabilizou o risco ou tomou atitudes nesse sentido, por mais que tenha sido ele o mais prejudicado. É análogo ao caso do assalto, onde aquele que é culpado não é quem, através de violência ou grave ameaça, subtrai coisa alheia, mas sim aquele que decidiu andar com relógio ou sapatos caros. A inversão de valores é uma estratégia crucial para a empulhação ideológica.


A seguir, a denúncia, cada vez mais submersa em um espectro de infantilidade boçal, diz respeito aos hinos da bateria. É algo absurdo que haja xingamentos entre torcidas, ou hinos com palavrões! Para o autor, as baterias universitárias deveriam decorar e propalar em canto e verso a abertura dos ursinhos carinhosos! Cômico, para não dizer risível. Se infelizmente o autor não tem orgulho de sua formação, não teve garra nem orgulho para, durante sua graduação, defender a instituição que lhe viabilizou os estudos, o diplomou, e hoje em dia é uma das principais razões para ele exercer seu "jornalismo" e ter seu ganha pão, nada posso fazer. Por mais, o patrulhamento do politicamente correto tem procurado os lugares mais inusitados para brandir suas bandeiras -- jogos e hinos universitários. Trata-se da versão esclerosada da tia reclamona, que briga com seu marido, seu Jorge, ao se dirigir a respeitável mãe do juiz que apita o dérbi Palmeiras e Corinthians. Imagine ssa cena aplicada ao contexto dos acirradícimos jogos universitários! São uns hooligans, esses universitários! Com seus hinos que ofendem a moral e a história dos campi adversários, certamente alguém sairá de lá, se não para a enfermaria por desidratação de tanto chorar,  para a sessão com psicólogo para tratar dos transtornos de auto-estima oriundos dessas agressões ! Alguém tem que banir esses hinos, as torcidas, e daqui a pouco, por que não?, essa prática agressiva e machista dos esportes!


Outro ponto esquecido, talvez propositalmente, pelo autor, tão observador, é o fato de que no referido manual, não são exclusivamente os ingressantes a serem "ofendidos". Como podemos perceber abaixo, há uma série de "associações" que procuram "zuar" seus membros. Associação dos pegadores de Baranga "Luiz de Queiroz". Associação dos Inimigos da moda "Luiz de Queiroz". Não há nenhum ingressante nessas associações, apenas veteranos que acham isso, no máximo, engraçado. Por vezes pedem para a elas se "associarem". Embora o grande sociólogo Antônio Almeida seja sempre oni-e-clarividente em seus apontamentos, faltou-lhe, para compor mais esse apontamento, frieza (ou talvez tempo, tendo em vita que ele faz tantos). O que podemos concluir do que foi relatado acima? Que o manual não tem por objetivo humilhar ou reduzir os ingressantes, como apontado, mas sim sacanear, produzir humor, fazer rir, abordar com graça o espetáculo da vida esalqueana, onde sem dúvida, o bixo é o centro das atenções. Dos crimes contra a moral, o mais punitivo, o de calúnia, exclui-se na presença do animus jocandi -- "Não há crime de calúnia quando o sujeito pratica o fato com ânimo diverso, como ocorre nas hipóteses de animus narrandi, criticandi, defendendi, retorquendi, corrigendi e jocandi" (STJ - Ação Penal - Rel. Bueno de Souza) -- isto é, com ânimo de fazer uma mera brincadeira. Mas ainda é absurdo que se possa haver uma publicação de aquisição voluntária contando uma série de brincadeiras e apelidos com ânimo de produzir humor sobre um grupo múltiplo e heterogêneo! É o fim dos tempos! Liguem para a polícia! Liguem para o Batman! Liguem também para os ursinhos carinhosos!

Atente-se que no manual também há bastante conteúdo informativo sobre a história centenária da Escola e suas instituições, seus times da Associação Atlética, sobre os grupos de estágio e extensão, etc... Como o jornalista não alardeou esse disparate? Como ainda se permite que se escrevam esses absurdos?! Maldito manual opressor! 


Há, no entanto, que a patrulha ideológica não se cansa; ela pergunta "qual é o limite do humor"? A resposta é muito simples, e se encontra nos próprios limites das liberdades individuais -- os demais indivíduos. Ninguém tem o direito de não se sentir ofendido, mesmo porque o "se sentir ofendido" é algo totalmente subjetivo. Eu posso dizer que tenho minha inteligência ofendida ao assistir a um programa no canal de maior audiência da tv aberta, onde um rapaz faz a denúncia de ter sofrido envenenamento mais de cem vezes, sem apresentar, para sequer um dos casos, qualquer tipo de prova ou laudo comprobatório do seu relato -- e ainda ser levado a sério por isso! Diferencie-se aqui o "se sentir ofendido" dos crimes contra a moral, previstos nos artigos do código penal. Para que haja o iter criminis a calúnia, difamação ou injúria devem partir para um indivíduo ou grupo específico, como classe profissional, raça, etc. Em nenhuma hipótese dos palavrões do manual, há qualquer direcionamento com essa especificidade, mesmo porque, como já exposto, os "xingamentos" não têm por fim ofensa ou grave humilhação, apenas despertar o riso. Trocando em miúdos -- não se trata de crime, humilhação, sequer ofensa. Aquele que realmente se sentir ofendido por ser chamado de tolo em um manual de cunho jocoso, a ninguém especificamente dirigido, talvez esteja conferindo veracidade esse apontamento da publicação. Ingressaram em um dos vestibulares mais concorridos do país, mas se o manual está dizendo que são burros -- oh! -- isso deve ferir profunda e irreversivelmente!


O mais curioso de toda essa história é a desenvoltura do jornalista para "denunciar" essas "calamidades". Eu friamente acreditava que os jornalistas deviam ser o último bastião em favor da liberdade de expressão, até essa leitura. Sem dúvida alguma, o jornalista deve ter ficado ressentido e entristecido ao tomar conhecimento do atentado ocorrido no começo do ano ao hebdomadário francês, também de comédia, Charlie Hebdo. É contraditório e inconsistente da sociedade apoiar a liberdade de expressão até o ponto que lhe convém. A liberdade de expressão não existe para que possamos falar meramente sobre a previsão do tempo, mas sim para falarmos de coisas polêmicas, controversas, que eventualmente, deixam de agradar determinados grupos e indivíduos. É maduro para a sociedade reconhecer esse princípio, ser tolerante -- e esse é o exercício mais difícil -- com os demais, em ordem de preservar os nossos próprios direitos. Dirá o desavisado que há uma enorme diferença entre reclamar de ofensas em um manual e metralhar seus autores, o que é algo óbvio. No entanto, o problema se encontra na direção que determinadas atitudes tomam. Vou de Hayek: "A liberdade não se perde de uma vez, mas em fatias, como se corta um salame". Para um jornalista (e desejavelmente para toda a sociedade) que depende da liberdade de expressão para exercer seu trabalho discricionariamente, esse princípio deveria ser inegociável. 


Por fim, chegamos ao ponto que eu gostaria. A sociedade brasileira tem sofrido de um complexo de "Benjamin Button". Quanto mais madura se torna, mais infantilizada é. Quanto mais pregam a tolerância, os auto-proclamados tolerantes, menos condescendem com opiniões diversas das suas. Quanto mais se difunde a cultura da diferença, menos se pode pronunciá-la -- todos devem ser simulacros idênticos, privados de suas individualidades em favor de preservar o "bem comum" da inalcançável igualdade.


O segredo para lidarmos com esse tipo de pensamento retrógrado e contraditório se encontra nos conceitos de liberdade e tolerância. Trata-se de nossa permanência no último nível do altar da civilidade. Historicamente, a maioria das sociedades estiveram sujeitas a regimes de escravidão, privação de liberdades e intolerância (seja por classes sociais, grupos religiosos ou étnicas, e especificamente nesse caso, grupos com opiniões distintas). Até hoje, a maioria da população mundial vive em condições análogas. Na história do mundo, esses dois pontos só puderam ser conquistados no último degrau evolutivo das sociedades, e em ordem de preservá-los, eles não devem ser tratados apenas como fins, mas também como meios. É por isso que seu exercício é tão custoso; tratam-se de adventos recentes. Isso tem faltado à sociedade, compreender que todas as pessoas são livres e distintas umas das outras. Que muito embora o concidadão realize algo controverso ou aparentemente bobo, ele tem todo o direito de fazê-lo, contanto que não cause prejuízo aos demais, e eu não devo impedi-lo, por mais que não concorde com seus pensamentos, atitudes e agenda, em ordem de garantir que ele também não procurará me impedir de perseguir meus objetivos. Como diria Thomas Jefferson "eu prefiro estar exposto às incoveniências em incorrer em excesso de liberdade, a estar exposto àquelas decorrentes de sua escassez".



#JeSuisManualdoBixo


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Vitor Dhers (Di-Mark)


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