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Homens e livros ou só sei que nada sei (Alma; F97)

02/07/2020 - Por fernando de mesquita sampaio
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Li num artigo de Gustavo Bertoche no Café Brasil (e agradeço ao Prudence F09 e ao Agroresenha pela dica) que a média do QI mundial só cresceu nos últimos 100 anos. Segundo o autor "Na Alemanha e nos EUA, o crescimento do QI médio foi de mais de 30 pontos. No Quênia e na Argentina, foi de cerca de 25 pontos. Na Estônia e no Sudão, foi cerca de 12 pontos. No Brasil, aconteceu justamente o contrário. A queda do QI foi de quase 10 pontos nos últimos 100 anos. Talvez esse emburrecimento generalizado seja único na história da humanidade. O nosso QI médio é de 87, o que nos coloca, na média, no limite da deficiência intelectual."


Uma pesquisa de 2016 mostrou que apenas 8% dos brasileiros consegue ler, escrever e interpretar qualquer texto.


A educação é a maior das tragédias brasileiras.


Bertoche culpa, acertadamente, nosso péssimo sistema de educação. Um problema muito anterior a Paulo Freire, o bode expiatório da vez. Valorizamos diplomas, não o conhecimento. Valorizamos também muito mais o corpo do que a mente. O que explica que tenhamos muito mais academias de ginásticas do que livrarias nas cidades. E mais cirurgias plásticas do que trabalhos científicos publicados em revistas de renome. Somos bobos mas sarados e plastificados.


Apesar disso, nunca tivemos tantos idiotas cheios de certezas. Um dos motivos é o chamado efeito Dunning-Kruger. Basicamente, a definição disso é que quando temos uma compreensão ruim ou inexistente sobre um tópico, sabemos literalmente muito pouco para entender o quão pouco sabemos. E aí ficamos cheios de certezas. No fla-flu das redes sociais, os algoritmos apenas te direcionam conteúdos nos quais você já crê, e a lógica cede lugar às falácias dos idiotas cheios de certezas.


Há uma foto famosa feita em Londres na época dos bombardeios alemães. Um garoto lendo livros em meio aos escombros da guerra é a melhor síntese da civilização contra a barbárie. Sem livros não somos capazes de desenvolver a linguagem, sem linguagem não temos lógica, sem lógica somos incapazes de compreender o mundo a nossa volta.


Pior, somos incapazes de entender e de construir cultura. Outro problema que a falta de leitura traz aos brasileiros, confundir cultura com entretenimento. E aqui, o cérebro dá lugar à bunda. Quem precisa de Cervantes e Shakeaspeare quando temos o Tchan?


Claudio Moura e Castro certa vez citou uma pesquisa que demonstrava que independente de classe, renda, cor, jovens com o melhor desempenho escolar sempre tinham um elemento em comum. Livros em casa. Esta é uma das razões pelas quais leio para meus filhos desde bebês, e sempre tive livros espalhados pela casa. Mas conheço pessoas que acham caro pagar 50 reais em um livro, e dão celulares e tablets de ultima geração aos filhos. Detalhe, Castro falava no mesmo artigo da dificuldade imensa em achar estantes de livro para comprar nas lojas de móveis em São Paulo. É verdade. Passei pelo mesmo perrengue.


Há uma razão a mais para ler. A edição recente da New Yorker traz um artigo de Ceridwen Dovey que pergunta Can Reading Make Us Happier? E aparentemente, quem lê regularmente dorme melhor, tem menos stress, melhor auto estima e menores taxas de depressão do que quem não lê  A leitura dá o mesmo efeito que a prática da meditação por exemplo.


Eu tenho esse dilema existencial, entre ser um intelectual que lê e escreve no silêncio da noite e aprecia vinhos e culinária ou um ser fitness que malha pela manhã e lê calorias em rótulos de barras de cereais. Prefiro ser feliz.  Mas preciso pelo menos que o corpo se sustente até a velhice sem traumas.


No filme A Chegada, a personagem da linda Amy Adams é a linguista Louise enviada para se comunicar com alienígenas. O filme é baseado no conto de Ted Chiang, e leva às últimas consequencias a teoria de Sapir-Whorlf, citada por Louise no trama. A teoria diz que a linguagem é também a base para nossa percepção de mundo, e quanto mais compreendemos uma linguagem mais compreendemos sobre a percepção de mundo de quem a utiliza. Muitos de nós não conseguem compreender ou dialogar com o próximo simplesmente por não compreender sua linguagem. Isso é verdade ainda que os dois falem português Terra para um indígena tem um significado completamente diferente de terra para um ruralista. Um dos motivos pelos quais simplesmente não conseguem se entender.


O Brasil precisa recuperar a inteligência perdida. Precisamos receitar livros aos nossos jovens. Um país se faz com homens e livros, nas palavras de Monteiro Lobato. Precisamos devolvê-los ao caminho do conhecimento e do livre pensar, iniciado por Sócrates há 2.5000 anos, a partir da básica pergunta Por quê? E que isso os ajude a construir uma nova percepção do mundo.


PS: Em um outro artigo, publicado na Veja há alguns anos, Claudio Moura e Castro comparou mapas de produção agrícola com mapas de índices de escolaridade. Quanto mais agro, melhor era a educação, constatou.  Mais uma missão vitoriosa a ser levada de Norte a Sul do país.

 

Fernando Sampaio (Alma F97), é Engenheiro Agrônomo e Ex Morador da República Lesma Lerda

 

 

 

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