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É pela democracia sim (Alma; F97)

16/10/2022 - Por fernando de mesquita sampaio
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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Eu costumava situar-me politicamente em uma centro-direita liberal. Isso quer dizer fundamentalmente que considero que liberdade democrática e liberdade econômica andam juntas (o que não é achismo, é uma constatação factual). Mas também que julgo a participação do Estado em determinados setores e políticas de inclusão essenciais especialmente em um país brutalmente desigual como o Brasil.

A coisa é que de uns tempos para cá as coisas mudaram, e essa centro direita desapareceu, a um ponto que agora chegam a me classificar de comunista. Mas o problema é que não fui eu quem mudei. A Janela de Overton é que deslocou-se abruptamente, a meu ver, de 2013 pra cá.

Na minha adolescência democrática, alguém da direita, direita mesmo era...sei lá...o Ronaldo Caiado. Perto da turma da direita atual, Caiado parece palidamente moderado.

A grande pergunta política para mim neste momento, não é a "Lula ou Bolsonaro?".  Bolsonaro para mim foi um militar medíocre, um parlamentar medíocre e como não poderia deixar de ser é um presidente medíocre. A pergunta política que me interessa é por quê a direita brasileira se radicalizou a ponto de abraçar essa mediocridade. Por que motivo, com tantas opções melhores na mesa, apoiam a versão mais degenerada, vulgar, extremista, preconceituosa, misógina, homofóbica, negacionista e incompetente de todas.

Seria por causa do combate a corrupção? Não creio, senão não votariam em alguém que construiu carreira e patrimônio a base de peculato. E mesmo comparado ao mensalão (R$ 101 milhões) e ao petrolão (R$ 6 bilhões), o escandaloso orçamento secreto (R$ 45 bilhões), gestado e parido no gabinete de governo do General Ramos, é de uma obscenidade sem precedentes na nossa triste história pouco republicana.

Pela eficiência? Façam me rir. Estamos há quatro anos entre crises e improvisos diários.

Pelo liberalismo econômico? Esse que fura teto de gastos, do fundão eleitoral, ou dos auxílios caça votos? O do estado de menos na saúde e educação, e demais onde não devia?

É pelo conservadorismo? Roger Scruton deixa claro a principal divergência entre um conservador e um reacionário. Enquanto o reacionário possui uma visão anti-moderna e idolatra o passado, o conservador enxerga a sociedade em toda a sua complexidade e aceita a necessidade de que sejam feitas reformas, desde que lentas, bem pensadas e graduais. Não há nada de conservador no bolsonarismo. De reacionário há muito. O que explica o lema fascista ressuscitado de Deus, Pátria e Família.  Mas que Deus é esse? Dos pastores movidos a barras de ouro e cargos? Que evangelho é esse que diz Armai-vos uns aos outros? Que compaixão é essa que deixa gente morrendo sem oxigênio no chão do hospital? E a Pátria é a pátria pária internacional, a da Amazônia saqueada, ou a do mapa da fome e das mortes sem vacina? E a família é a da rachadinha e da milícia, ou a da farda e dos pretos mortos no camburão?

Não consigo enxergar a racionalidade na escolha, os motivos pelos quais alguém trocaria uma direita possível, liberal e democrática pela caquistocracia atual.

Pode até ser que uma minoria, e eu acredito que seja uma minoria, seja a da sarjeta que vê seus preconceitos refletidos e exaltados pelo seu mito.

Mas a grande explicação por trás dessa escolha para mim, está em um processo de radicalização promovido por uma máquina poderosa de terror, ódio e desinformação movida a algoritmos de redes sociais.

Não é um fenômeno exclusivo do Brasil.

Mas o método foi importado da alt-right americana pelo bolsonarismo que se apropriou e aperfeiçoou-o por aqui. Qualquer um que tenha a infelicidade de ter passado por um grupo de whatsapp com representantes da seita conhece a enxurrada diária de memes, fotos, Fake News, pílulas de vídeos selecionadas, citações descontextualizadas, ofensas a adversários e todo o leque de horrores postados e replicados initerruptamente. E isso vai desde ideias tipo "arma é liberdade" e desinformação sobre vacinas e urnas eletrônicas, até as mais estapafúrdias teorias da conspiração estilo QAnon, do tipo "verdade oculta" que querem esconder de você.

A radicalização online é o que leva ao extremismo. São tios e tias do zap, mas também jovens gamers e incels, presas fáceis dessa armadilha. Eu sei porque já estive lá, à beira de ser radicalizado, até entender que nada de bom sairia dali.

Há algumas consequências sérias dessa radicalização. A primeira e mais óbvia é que a violência nas redes rapidamente se transmuta em violência real, como os episódios que temos testemunhado diariamente. Mas também a implosão de partidos como o PSDB e o racha no Novo por exemplo (onde Amoedo foi acossado e ostracizado por suas virtudes, não por seus defeitos). Ou a paralisia infantil aparecendo novamente no Brasil por baixa cobertura vacinal (sim, isso está na conta de vocês canalhas). A ridícula discussão do "voto auditável", mera cortina de fumaça para se contestar resultados eleitorais é outra das barbaridades decorrentes dessa máquina.

Mas o pior de tudo para mim é que a radicalização torna o debate político impossível, e a própria política inviável (cabe aqui mencionar que o Janones, em um espetáculo lamentável e deprimente tem tentado se apropriar tardiamente do mesmo método na campanha lulista).

Ninguém consegue mais debater um tema, qualquer tema, em busca de consensos para problemas comuns à sociedade. Isso porque não interessa o que o outro tem a dizer, ele se tornou um inimigo a ser eliminado. Para quem está na bolha, o outro é obviamente burro, mau caráter, manipulado ou comprado.

As instituições que deveriam ser o abrigo de confiança da sociedade, também perecem porque elas mesmo se tornam alvo da radicalização. E não é por acaso, isso é método. A radicalização tende, inevitavelmente para a autocracia.

Minha tese é que sem a internet, Bolsonaro estaria condenado à mediocridade onde sempre esteve. Como disse Umberto Eco, antes, o idiota da aldeia mal e mal influenciava seus três ou quatro companheiros de boteco. A internet não só lhe dá o palanque que não tinha como catapulta sua visibilidade.

Que tanta gente educada tenha caído na esparrela dessa radicalização online, é uma vergonha coletiva. Agora, confrontados com as resultados dessa radicalização recorrem ao último argumento: "Ah, mas é melhor que o petê"... ameaçando com o fantasma da Venezuela de mamadeira de piroca na mão... Sim, conheço gente educada que tem certeza absoluta que suas propriedades serão confiscadas e suas crianças serão obrigadas a se travestir na escola em um governo Lula.

A esquerda tem sim muitas lições a aprender. O beautiful people que fala todes do eixo Leblon Vila Madalena continua achando que pode impor uma pauta progressista goela abaixo de um povo conservador, e insiste em tratar crente como idiota. Também continua tratando como inimigo quem gera riqueza no país, seja produtor rural ou empresário. E continua refém de um caudilho populista responsável por uma gigantesca lambança, mas que não admite concorrência, e para o qual não soube criar alternativas. Pode pagar caríssimo por isso.

O fato é que o mesmo em seus arroubos mais autoritários de suas alas radicais, o governo petista sempre aceitou as regras do jogo democrático e do Estado de Direito (como decisões eleitorais e judiciais), e pagaram por isso. Jamais chegou perto do estrago institucional que o bolsonarismo certamente irá causar às instituições brasileiras em um segundo mandato, eliminando todo o sistema de pesos e contrapesos que bem ou mal faz a democracia funcionar.E isso não deixa dúvidas quanto à decisão a tomar. É pela democracia sim.

 

PS: leiam Michelle Prado (Tempestade Ideológica e Red Pill) sobre radicalização online, e os artigos de Oliver Stuenkel (porque votamos em Hitler e Maioria dos autocratas precisa de dois mandatos para destruir a democracia) e Conrado Hubner Mendes (como Autocracias Nascem) e Steven Levitsky (Como Democracias Morrem).

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